Escrever sobre um livro que aborda o tema amoroso é, no fundo, falar sobre algo que está no cerne da própria tradição poética. Não só da nossa, a galaico-portuguesa, mas a do mundo inteiro.
Quem nunca ouviu falar de Safo?, ou dos tankas orientais?, quem nunca ouviu, pelo menos uma vez na vida, um poema sobre o amor?, quem não se recorda, por exemplo, de pelo menos um poema, uma narrativa sobre Pedro e Inês?
O amor é um dos mais relevantes temas de toda e qualquer poesia. Eu, como leitor de poesia, o que nestas coisas pode ser um defeito, encontrei num poema de Eugénio de Andrade aquela que considero a melhor aproximação do que se pode utilizar como definição de amor, e passo a citar: “Assim é o amor: mortal e navegável”.
Gonçalo Lobo Pinheiro, neste seu: “Não Existes” ou, este sub-título, que considero malandro, “o breve manual prático de como esquecer um amor antigo” quase direi que se serve da aproximação feita por Eugénio de Andrade para a sua edificação.
Neste seu poema, porque de um único poema se trata, embora fragmentado e cada fragmento se possa considerar como corpo autónomo, o poeta explica-nos um título que indicia o apagar da memória, uma capa branca porque dessa memória nada resta, mas deixa-nos exactamente o reverso, ou seja: utiliza a palavra poética como recuperação e superação de memória, não como eliminação como seria de esperar.
Antes é o desenho concreto de um passo que efectivamente se dá para a construção do nosso próprio caminho.
E este é um dos encantos deste livro.
O amor como sentimento é mortal, porque pertence ao foro íntimo de cada homem que, naturalmente, também é mortal.
Bem sei que há aquela velha história do Pessoa: “O poeta é um fingidor”, mas Gonçalo Lobo Pinheiro alerta logo em nota prévia que este: “Não Existes” é “lixo [da alma] que agora despejo com clarividência”. Assume-se portanto como algo pessoal, algo vivenciado pelo próprio, aquele que vê na escrita e passo a citar: “o fumo que agora me vicia”.
E este signo, fumo, ao que o autor atribui o valor de viciante, é, na essência, do declarar anunciador da cinza, do que fica: a memória.
Mais do que uma catarse, trata-se de vida, acto de respirar que a cadência silábica bem expressa.
Em suma: “Não Existes ou o breve manual prático de como esquecer um amor antigo”, de Gonçalo Lobo Pinheiro, preconiza, não uma forma de olhar a relação amorosa, que cessou, e que se torna necessário tornar o objecto amado em algo próximo do imaginário, mas uma forma de ver, de interpretar a própria vida, superando cada instante, cada pormenor porque urge seguir a própria viagem.
E é através da escrita que efectua a necessária reconstrução da ideia de amor tornando-a navegável porque parte à procura do outro, neste caso, cada um de nós, os que o lemos.
Xavier Zarco (poeta)
in Luso-Poemas