sexta-feira, maio 29, 2009

Rita

Dezanove de Maio de dois mil e oito
Traduz o dia que jamais conseguirei esquecer.
Podia ser outro dia qualquer, mas não é.
É no dia dezanove.
Provei nesse dia o sabor mais intenso
Da tua boca húmida e gostei.
Gostei como nunca.
Gostei como sempre.
Engrandeci por te ter.
Sinto que contigo as horas
Não são suplícios de uma vida inútil.
Tornei-me homem maduro
Com a magia da tua presença.
Possuí-te como nunca tinha feito
Nos tempos em que conheci outras mulheres.
E o tempo é conselheiro.
Sei que desejas a minha presença.
Sinto isso!
Não consigo explicar, mas sinto.
Saboreei a tua presença como uma dádiva
E jamais rescindi com os meus sentimentos.
Sei que o contrato que fiz para comigo mesmo
É para levar até ao fim...
Peço desculpa por ser, por vezes, uma subtracção
Da soma que esperavas, mas estou em constante aprendizagem.
Numa mutação crescente em mim
E na procura de ser mais eu para ti.
Sem códigos, nem condutas.
Ao fim ao cabo, este contrato é apenas
A loucura de saber que te pertenço
E disso não quero abrir mão.
Torna-me claro, amor.
Quero estar bem ciente daquilo que queres.
Navegar em águas de um mar revolto não me apetece.
Quero paz. Sossego imenso.
Contigo somos um.
Agora só quero olhar para ti.
Fascinar-me com a tua presença.
A todo o tempo a tua forma humana
Se fixa no pensamento.
Fazes-me bem. Sempre fizeste.
O teu corpo é paz, Rita.
Não fujas daquelas certezas que ainda tens.
Fica aqui.
Como antes, comigo...

29 de Maio de 2009

Sentimentos numa noite quente

Estou aqui mas podia não estar.
Olho em redor e sinto o calor.
Se estivesse noutro lugar, bem sei qual,
Sentiria o mesmo calor.
O quente de um fraterno abraço.
A solução de um novo amor
Fornecido pela mesma pessoa.
Mas estou por aqui.
Conduzo o olhar para um porta-retratos.
Nele revejo coisas boas.
Momentaneamente estou perdido
Numa estrada de recordações.
Soluço a saudade e penso em ti.
Lá fora ajudam-me.
Gritam às vezes quando perco a voz ao te chamar.
Está calor.
Quente como tu que recordo,
Sentado a olhar para o teu retrato.

28 de Maio de 2009

quinta-feira, maio 28, 2009

Por enquanto

Fugiste por entre os meus dedos
Como uma brisa fina e fria.
Sinto-te confusa, cheia de medos.
Não quero estar assim,
Perdido neste caminho sem fim.
Parece que te perco, meu amor
Que loucura esta, tornada dor.
Tento resolver a minha cabeça,
Na curva de mais uma hora.
Nem consigo chorar.
Os meus olhos secaram...
Estarei a ficar resolvido?
As tuas incertezas tornam-se minhas.
Atrasam o meu pensamento.
Tornam-me fraco. Tremo por dentro.
Sou, efectivamente, menos eu.
Sou menos tudo. Solto do teu amor.
Desprovido.
Porquê?
Porque me desassossegas e
Me tiras o sono nestas noites quentes?
Estou sozinho.
Acabei de fumar mais um cigarro,
Preocupado com o bater desatinado do meu coração.
Por amor, estou quase morto.
Moribundo neste sofá laranja,
Que me enfeita a sala e onde, agora, me sento.
Continuo sozinho.
Sei que estás aí. Algures.
Sê resoluta. Não me prendas neste fio.
Amadurece. Sente.
Acredita. Pensa.
Sê um pouco mais introspectiva.
A minha morada é a mesma.
Quando quiseres vem.
Estou aqui!
Por enquanto...

28 de Maio de 2009

quinta-feira, maio 14, 2009

'Clean'

Apareceu do nada para mim.
Chorou a cada esquina e eu vim.
Corou quando a chamei.
Desmembrou o meu sossego. Agarrei!
Senti, vislumbrado, aquela tez.
Natural, sedutora, sincera mas nada fez.
Sei que sou ingénuo por acreditar,
Naquela história, quase de embalar,
Que sempre agiu como impune.
Gosto da mesma forma, apesar de imune.
Limpo com todas as águas,
'Clean' de todas as mágoas.
Sou agora mais maduro,
Sei que certas coisas já não aturo.
Porém, quero sempre poetar,
Palavras francas no meu amar.

13 de Maio de 2009

segunda-feira, maio 11, 2009

Nota de Leitura ao livro "Não Existes", por Xavier Zarco

Escrever sobre um livro que aborda o tema amoroso é, no fundo, falar sobre algo que está no cerne da própria tradição poética. Não só da nossa, a galaico-portuguesa, mas a do mundo inteiro.

Quem nunca ouviu falar de Safo?, ou dos tankas orientais?, quem nunca ouviu, pelo menos uma vez na vida, um poema sobre o amor?, quem não se recorda, por exemplo, de pelo menos um poema, uma narrativa sobre Pedro e Inês?

O amor é um dos mais relevantes temas de toda e qualquer poesia. Eu, como leitor de poesia, o que nestas coisas pode ser um defeito, encontrei num poema de Eugénio de Andrade aquela que considero a melhor aproximação do que se pode utilizar como definição de amor, e passo a citar: “Assim é o amor: mortal e navegável”.

Gonçalo Lobo Pinheiro, neste seu: “Não Existes” ou, este sub-título, que considero malandro, “o breve manual prático de como esquecer um amor antigo” quase direi que se serve da aproximação feita por Eugénio de Andrade para a sua edificação.

Neste seu poema, porque de um único poema se trata, embora fragmentado e cada fragmento se possa considerar como corpo autónomo, o poeta explica-nos um título que indicia o apagar da memória, uma capa branca porque dessa memória nada resta, mas deixa-nos exactamente o reverso, ou seja: utiliza a palavra poética como recuperação e superação de memória, não como eliminação como seria de esperar.

Antes é o desenho concreto de um passo que efectivamente se dá para a construção do nosso próprio caminho.

E este é um dos encantos deste livro.

O amor como sentimento é mortal, porque pertence ao foro íntimo de cada homem que, naturalmente, também é mortal.

Bem sei que há aquela velha história do Pessoa: “O poeta é um fingidor”, mas Gonçalo Lobo Pinheiro alerta logo em nota prévia que este: “Não Existes” é “lixo [da alma] que agora despejo com clarividência”. Assume-se portanto como algo pessoal, algo vivenciado pelo próprio, aquele que vê na escrita e passo a citar: “o fumo que agora me vicia”.

E este signo, fumo, ao que o autor atribui o valor de viciante, é, na essência, do declarar anunciador da cinza, do que fica: a memória.

Mais do que uma catarse, trata-se de vida, acto de respirar que a cadência silábica bem expressa.

Em suma: “Não Existes ou o breve manual prático de como esquecer um amor antigo”, de Gonçalo Lobo Pinheiro, preconiza, não uma forma de olhar a relação amorosa, que cessou, e que se torna necessário tornar o objecto amado em algo próximo do imaginário, mas uma forma de ver, de interpretar a própria vida, superando cada instante, cada pormenor porque urge seguir a própria viagem.

E é através da escrita que efectua a necessária reconstrução da ideia de amor tornando-a navegável porque parte à procura do outro, neste caso, cada um de nós, os que o lemos.


Xavier Zarco (poeta)