1
Vou esquecer
De gritar por ti
E, tão pouco, lembrar
Que existes e te perdes
Nesta floresta de equívocos.
Toma por certo
O meu pensamento.
Acredita no que regurgito.
Represento, cegamente,
A tua salvação
E a forma de como,
Em última circunstância,
Encaras o teu eu.
2
Corre loucamente
Na direcção do infinito, e
Sementes de insconsciência
Saltam de ti.
A tua amplitude é diminuta
E, nem de soslaio,
Vislumbro o teu olhar.
Jamais a neblina te trará o esquecimento
E, consequentemente,
A aurora te dará esperança.
Simplesmente esquece
Que a minha existência
Te domina a razão.
3
Não quero recordar
Aquele dia, na minha casa,
Onde me encontraste
Despido, cheio de ilusões.
Afinal tu, a maior
De todas as que me
Assolam a razão.
Sentindo a água fervilhar,
Saída das entranhas,
Traduz o desespero
Das minhas causas,
Que sem me aperceber
Vãs se tornaram.
4
Dedica-te à sapiência
De leituras inexactas,
Próprias do teu sistema,
Onde os teus caracteres, na definição,
Não se coadunam com os meus;
Daí este confronto, onde
O teu eu não complementa o meu.
Agora percebo o porquê
De nunca teres falado
A minha língua, nem sequer,
A facilidade de traduzir,
Em gestos suaves, toda
A tua sensibilidade.
5
Tornaste a vir,
Mas não quero;
Não me apetece esse desgosto,
Muito menos o teu cheiro.
Prefiro metamorfosear-me frasco
E envolver uma nova essência.
Não a tua, gasta e supérflua.
Colocarei um novo rótulo,
Dando a conhecer
A nova esperança,
A verdade odorante
De um novo perfume,
Do qual já não fazes parte.
6
Nem lugar tem na minha estante,
O depósito legal do teu livro.
Passou de validade, e
Apenas perdura no
Âmago da mais ténue recordação.
Li e reli as palavras
Que um dia lembrei de acreditar.
Sujaram a minha consciência,
Tornando-a inócua e inibida.
Jamais, na integra, voltarei
A sensibilizar a tua atenção em causas minhas.
Ficarei, agora, inerte
Ao teu iníquo apelo.
7
Não serei o mesmo ingénuo.
Inferir em ti, seria,
Agora, infrutífero.
Carpturar a tua alma
Não está nos meus desígnios.
Ah! Como desejarias
Que vestisse o meu hábito
E atendesse às tuas preces.
Não! Chega de lamento.
Desta vez não irei ao casino.
Não será a roleta a desenhar o meu destino.
Não serás a dama do meu jogo.
Não te pedirei para dançar.
8
A melodia é diferente.
Agora mais grave, outrora muito suave.
O que cantas não se ouve;
Nem o teu som sai, ruidosamente,
Daquela velha grafonola.
Não és vinil. CD nunca serás.
Para sempre analógica...
A qualidade alheia-se de ti.
Nem que graves de novo,
Comprarei a tua música.
Afinal, nunca foste novidade.
Adquiri-te em saldos e, certamente,
Com defeito de fabrico.
9
Porque nunca gostaste das flores?
Daquelas que te ofereci
Enfeitadas com o luar
E o calor do sol ao mesmo tempo.
Certamente nem as cheiraste.
Viste-as, ao menos?
Reparaste na silhueta
Que desenhei nos grãos de pólen?
Representava a volúpia dos teus seios.
Como me ignoraste!
Nem isso viste.
Não mereces que escreva
E discorra sobre ti.
10
Tornaste menos que zero
Na matemática dos sentidos.
Nem na mais simples soma
Te consigo inserir.
O resto que sobra
Não chega para te complementar, e
O terço não serve para contar.
Talvez te liberte, se acreditares.
Deus não te mostrou o caminho.
Apenas tu o podes descobrir.
Aclama para ti.
Caminharás sem medo.
Eu duvido!
11
O espelho reluzente
Já não reflecte a tua imagem.
A tua beleza deixou de ser efectiva,
Nem tão pouco anseio a tua pele.
Não quero o teu sexo!
A tua consistência,
Feita de papel velho de jornal,
Sujou as minhas mãos
Ao tentar pegar-lhe.
Perdi as chaves que
Acedem ao teu cofre e, assim,
A saliva da tua boca que
Possuía ao beijar-te.
12
O guarda-roupa vazio se encontra.
Lá já não moram as tuas velhas roupas
Que, com o tempo,
As traças foram consumindo.
Como vês,
Nem os bichos mediaram o nosso instinto,
Que, por vezes, mais selvagem seria
Do que o habitat próprio
A que estavam sujeitos.
Mas ainda subsiste aquele trapo,
Velho, é certo, e sujo
Que um dia colocaste no meu travesseiro.
Chegou a altura de o rasgar!
13
Alieno-me de sentir a tua presença.
És tão fútil!
As águas separadas são, afinal,
O rio que galgo.
É nele que agora desces.
O acampamento dos deuses
Chama por mim. Penso em ir.
Já não acendo cigarros,
Nem forma tenho de
Contemplar outro fumo
Que não aquele que
Brota do que escrevo.
É este o fumo que agora me vicia.
14
Desisto de ti, que não
Desista das coisas francas.
Ao menos, estas, não escondem
Aquilo que, efectivamente, são.
A ti entrego a espada
Com que sempre lutei
Nestas quezílias constantes e medíocres,
E me fizeram encolher
A sensibilidade que
Agora vomito com avidez.
Infelizmente para ti são
Estas palavras soltas,
Repito! Em sofreguidão.
15
Na floresta dos medos
Perdura ainda um.
Inabalável, presumo, que
Me penetra o espírito e,
Sinuosamente, na
Memória de uma vida.
Quero abolir este receio
De ter de te enfrentar outra vez.
Sorrio, acenando
Ao vento que leva
Tudo que a ti diz respeito e apaguei.
Risquei, a carvão,
O teu nome do meu caderno.
16
Estou confinado a mim e
Ao meu ideal concreto.
Ao saber fluente de uma
Literatura constante
Que em tempo recorde
Toma de assalto o meu ego.
Agora sim!
Liberto de ti,
Consigo discorrer sobre a vida,
Assimilar o sufoco de existir
Um pesadelo tão certo,
Como o foste,
No frenesim da minha existência!
24 de Janeiro de 2003